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Um passo nunca vem só

Um passo nunca vem só

Entre o céu e a terra… está a nossa força de vontade! #29

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O desafio que nos colocava o Salming Monsaraz Natur Trail 2017 era aliciante “Vem correr entre o céu e a terra”. Tão desafiante que recebeu 1300 inscrições entre caminhada, trail curto (10 km), longo (22km) e ultra (44km).

 

Uma prova fantástica, digna de estar no circuito do Campeonato Nacional de Trail e acredito que lá chegará.

 

A organização foi irrepreensível: os trilhos, as paisagens, as marcações, os voluntários, os abastecimentos, as informações prévias sobre a prova e toda a logística de refeições, alojamentos, banhos. Empenho e dedicação não falta aos Piranhas do Alqueva. Só uma grande equipa, seria capaz de arquitetar um projeto destas dimensões e não deixar que o São Pedro levasse a melhor no dia da prova.

 

Já sobre mim, esta prova dava mais do que uma crónica… duas ou três talvez fossem suficientes. Mas vou resumir!

 

Nada, zero, nicles acontece por acaso: ou fizeste por isso, ou não fizeste por isso

 

Esta semana surgiu-me a oportunidade de frequentar uma formação na KW Flash uma empresa reconhecida no ramo imobiliário com a particularidade de oferecer formação gratuita, mesmo a pessoas que não são do ramo (o meu caso). Uma postura de abertura e partilha pouco comum, mas lógica, na perspetiva de quem acredita que é importante deixar uma marca positiva nas pessoas.

 

Entre as inúmeras coisas interessantes que ouvi nesta formação que basicamente incentiva as pessoas a encetarem um conjunto de ações que as levarão a um elevado nível de desempenho (independentemente da área), a questão de nos assumirmos responsáveis pelo nosso sucesso e focarmo-nos nas variáveis que, de facto dependem de nós, foi providencial. Dizia o formador que perante os desafios que a vida nos coloca há sempre duas posturas possíveis: a vitimização e a responsabilização.

 

Não fosse isto ter-me cá ficado a tilintar na cuca, eu não me tinha levantado da cama no domingo. A minha mais nova fez febre durante a noite, a hora mudou, e entre chamamentos, medicamentos, trocas de roupa, mudanças de cama, consegui deitar-me para dormir, a menos de 2 horas e meia do despertador tocar…

 

Pensei seriamente em deixar-me ficar na cama, a recuperar daquela noite louca. Mas depois comecei a falar comigo “ok, miúda doente e noite mal dormida = variável que tu não controlas, se te quiseres fazer de vítima agarras esse argumento; levantar da cama e tentar completar a prova = variável que tu controlas, se quiseres ser realmente responsável pelo resultado da inscrição nesta prova, deixas-te de merdas e segues para Monsaraz”.

 

A pessoa que se quer responsável, assume as responsabilidades, procura soluções e progride. Foi o que fiz, muni-me dos meus géis energéticos e barritas para o caminho, alimentei-me o melhor que pude antes da prova começar, tomei dois cafés para abrir a pestana e meti-me na frente da partida.

 

Sono, lama, vento, chuva e o homem da marreta às cavalitas

 

Cada trail é uma lição. Monsaraz ofereceu-me um petisco nunca antes provado em trail: corri ininterruptamente e a bom ritmo os primeiros 11 quilómetros de prova e com apenas duas mulheres à minha frente. Adivinhem? As reservas energéticas começaram a desaparecer e mesmo com as barritas e géis, o motor parecia ter gripado.

 

Parecia que estava num videojogo do pacman (e eu não era o pacman!) comecei a ser “papada” pelas minhas colegas e rapidamente passei para 7ª da geral. Até me consigo divertir com este cenário, adoro vê-las passar por mim e pensar “belas pernas, um dia também hei de conseguir correr assim, hoje não é o dia”.

 

Uns quilómetros antes do castelo, que estava ao km 26, levei com o “homem da marreta”, expressão que esta malta da corrida utiliza para se referir àquele momento que achas que já não aguentas mais, as pernas pesam, a cabeça só pensa em desistir. Eu dizia para mim “não me bastava levar com a marreta, senão ainda ter que carregar o gajo às costas”. As costas! Tenho aqui um problema para resolver, talvez com reforço muscular ou com um ajuste diferente na mochila. Lá saquei do dopping, mas como não tinha Brufen em casa, tinha levado Voltaren Retard, mas o retardado do comprimido não me fez nada, nadinha…

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Chego ao castelo com pouco menos de 3 horas e meia de prova e capaz de ficar por ali, estava tão cansada (só pensava no pouco que tinha dormido) e com as costas feitas num oito, estava tanto vento e chuva, os trilhos tão escorregadios, os estradões lavrados cheios de lama, cada vez que levantava um pé parecia que trazia mais 5 quilos em cada perna… enquanto me decidia comia umas batatas fritas, bebia isotónico e lamentava-me por não ter trazido o Brufen. Diz o senhor do bar “isso tenho aqui, quer?”.  O oásis no deserto!

 

Lá tomei o bendito Brufen, e só a esperança cega que aquilo me levasse a dor de costas deu-me novo alento. Fiquei melhor, o suficiente para pensar “sem dores minha menina, só ficas pelo caminho se te deixares dormir em pé!”.

 

Claro está que a pior parte do percurso começava ali, um sobe e desce dos infernos, mas meus amigos, sem dores tudo se sobe e tudo se desce. Uma cabeça no lugar faz milagres. O ânimo foi tanto que já depois do km 35 ainda consegui recuperar uma posição na geral feminina.

 

A maior proeza: não cair uma única vez

A maior alegria: passar a meta em sprint, com força para um salto e um sorriso

A maior satisfação: fazer 6º da geral feminina, a 21 minutos da 3ª classificada

A cereja no topo do bolo: fazer 1º lugar do meu escalão

A maior certeza: só eu sou responsável por mim e onde chego

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Mértola, Mértola, Mértola… cacete! #28

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Aqui a mulher sem plano de treinos, tem o objetivo ambicioso de chegar a Fátima dia 13 de maio com 4 maratonas consecutivas (10, 11, 12 e 13). Acredite-se ou não em milagres o melhor mesmo é ir treinando… vai daí pareceu-me que inscrever-me em tudo o que fosse ultratrail na ordem dos 44 quilómetros haveria de ser um plano de treino interessante. Acredito que os planos de treinos dos meus outros 5 colegas de peregrinação possam ser mais eficazes, este foi o que me fez sentido.

Depois do Trilhos dos Reis (15 janeiro), seguiu-se Mértola (5 março) e vem aí Salming Natur Trail de Monsaraz (26 março), espero que se inscrevam porque Monsaraz sabe receber!

Agora Mértola… ora Mértola tem muito que se lhe diga, mas numa palavra: du-re-za!!!!

Depois de uma semana a esquiar e de mais de 1000 quilómetros de viagem na véspera, eis que chega o dia de ir trilhar por Mértola.

Para começar bem, meto o despertador para as 05h00 e… não tocou!!!! Acordei às 06h10 com uma chamada do JLC, porque era hora de partirmos e nada de sinais da moça. Ia tendo uma paragem cardíaca! Como já tinha o estojo todo pronto de véspera, nem me perguntem como, em 15 minutos estava a sair de casa. Combinámos então que nos encontraríamos em Beja e assim foi (Nossa Senhora de Fátima e os Anjinhos todos protegeram-me naquela viagem alucinante!).

Já no carro com os restantes companheiros tratei dos preparativos finais (protetor solar, make up – importantíssima!!! vaselina nos pés e perneiras de compressão). Tudo a postos para a aventura.

Chegámos a Mértola com tempo para tudo: levantar dorsais, retirar as camadas de roupa desnecessárias, equipar a rigor, foto da praxe, cumprimentos aos companheiros de andanças, dois dedos de conversa, sinal de GPS ativado e pumba: tiro de partida.

Nos primeiros 400 metros o pódio feminino foi meu (ahahaha, a criança que há em mim diverte-se com estes números, não consigo evitar), depois passou a primeira senhora, logo a seguir a nossa ultramratonista Carla André, a terceira companheira e a quarta, a Rita Afonso, a quem acabei por me colar.

Provas houve em que optei por partir mais devagar, esta não foi o caso. Pensei cá para mim “olha nunca rebentei, se for hoje, pode ser que aprenda qualquer coisa”. Aprendi efetivamente muita coisa, mas uma delas é que não rebento assim às boas.

Pouco depois chega Rita Fernandes e a Ana e por ali fomos durante 18 km, sempre juntas: sobe, desce, sobe, desce. Algumas troços com outros companheiros e senti necessidade de me "apresentar" e pedir que não se ofendessem com os palavrões que não evito, até porque li algures que praguejar é analgésico e nessas coisas e tomo logo a dose mais forte! Vistas magníficas para o rio, para a cidade, cheiro a estevas, alguns borrifos de uma chuva que prometeu por duas ou três vezes mas sempre envergonhada.

Ao km 18 andávamos a correr na areia e comecei a quebrar, falta de energia, dor lombar… hora de abrandar o ritmo, deixar as companheiras seguirem, fazer um xixi, tomar um gel e um anti-inflamatório e recuperar algum ânimo.

Juntaram-se a mim 3 companheiros que, entretanto, voltei a deixar para trás porque aproveitaram a entrada numa localidade para ir ao café. Segui por ali fora cruzando-me com alguns idosos que me olhavam com cara de “não é boa da tola”, houve até uma senhora que não se conteve e lá desabafou “ah coitadinha… vai muito atrasada, já passaram há muito tempo”…

E por ali segui, cabeços acima, cabeços abaixo, a pular vedações, sem ver viv’alma, nem um voluntário, nem um fotógrafo e a rezar para não encontrar nenhum javali, tal era a quantidade de bosta que havia por ali… Fiz um vídeo direto para o Facebook e por ali andei entretida a sentir o cheirinho das estevas e a riscar o cromado no matagal, convencida que dentro de metros encontraria o 3º abastecimento. Passaram 500 metros, um quilómetro, um quilómetro e meio e eu já me convencia que só me podia ter enganado no caminho. Com a brincadeira do Facebook devia-me ter escapado alguma sinalética e só podia estar a fazer o percurso de umas das outras provas, nada de sinal do abastecimento! 2 km depois lá estava o dito, ufa… isotónico à vista (pensei eu, mas mal!). Já tinha acabado o isotónico, tal como no abastecimento anterior por onde passaram também os participantes das outras provas, enfim!

Estava portanto neste abastecimento ao km 28, quando avisto as outras 3 companheiras, não muito longe. Resolvi poupar no tempo do abastecimento, nem reabasteci a água, apanhei 3 batatas fritas, uma barritas e pus-me ao caminho para tentar juntar-me a elas. Sobe cabeço, desce cabeço, mato alto demais para avistar quem quer que fosse… Continuei no meu ritmo de conforto, consigo avistá-las e um pouco mais à frente 2 pontos amarelos “tu queres lá ver que são os meus companheiros de viagem????”. Ganhei uma motivação extra com este avistamento e lá vou eu no encalce deles. Encontro o João e o António ambos em mau estado, um a queixar-se das costas, outro a queixar-se da semana de tratamento a cerveja e cozido com fartura. Fizemos uns quilómetros juntos, subimos a encosta do rio até ao alto do cabeço e dizer mal da vida e a praguejar como se não houvesse amanhã. Lá no alto avistámos o próximo abastecimento que, pelas nossas contas estaria a 2 quilómetros, mas as fitas de marcação do percurso indicavam que para lá chegarmos teríamos ainda que dar a volta ao cerro… vamos lá!

Aqui perdemos o João e começámos a fazer contas à vida… onde raio está a tenda do abastecimento que tínhamos avistado??? A água já tinha acabado, os sinais de desidratação já tinham chegado, os quilómetros indicados para o abastecimento já tinham passado 500 metros, 1km, 2km… raios m’a partam!!! Isto não poder ser, será que já levantaram o abastecimento? Será que aquele que avistámos era de outro percurso? Será que estes senhores da organização não sabem tirar medidas? Só podia ser uma brincadeira… de muito mau gosto. Não sei o porquê, mas sei que só o fomos encontrar 3 quilómetros depois do anunciado, ou seja ao km 40, depois de uma mini ravina onde finalmente voltei a juntar-me às companheiras que tinha perdido ao km 18. Parecíamos camelos num oásis e isotónico, mais uma vez, nem vê-lo.

A pergunta que se impunha: “Estamos a quantos quilómetros da meta? A verdade!!!! Por favor só queremos a verdade!!!”, a resposta foi uma mentira, 4 quilómetros que se vieram a revelar quase 7 quilómetros. Esta distância em estrada faz-se bem, mas esta organização conseguiu guardar para após o km 40 uma montanha russa em 6 km: soooooobe, deeeeeeesce, soooooobe, deeeeeesce. Se ainda haviam pernas, a paciência já não morava ali em nenhum de nós.

Voltei a perder o António primeiro, a Rita depois e consegui manter-me com a Ana e com a Rita Fernandes, naquela montanha russa dos infernos. Uma menina tirava fotografias aos mortos vivos que ali chegavam e uns metros à frente oiço uma voz forte a puxar por mim. Só consegui pensar “com tanto quilómetro onde podiam ter metido gente, juntaram a tropa toda aqui”. Só que aquela voz de comando era o meu querido pai, em êxtase por me ver ali chegar pelo meu pé, de braços no ar, com uma laranja descascada na mão e a dizer “queres filha?? olha, não fizeste 44 km, lá na meta dizem que são 46 km”. Acho que me saltou um palavrão a mim e uma gargalhada a ele. Peguei na laranja, acenei à minha mãe que me gritava que tinha perdido mesmo ali a chave do carro e segui o meu caminho a correr pelo alcatrão.

Passado uns metros a minha tropa chegou de carro ao meu lado: a mãe ao volante, o pai, a minha avozinha e minha Maria que gritava “vai mãaaaaeeeeee”. A Rita e a Ana esperavam por mim com a proposta de cruzarmos a meta juntas (faríamos o 4º lugar exe quo). Agradeci-lhes e pedi-lhes que fossem à minha frente eu ia passar a meta logo a seguir, no lugar que me era devido e de mão dada com as minhas Marias (mãe e filha).

No final, 7 horas, 53 minutos e 18 segundos após o tiro de partida, abraços sentidos entre quem acaba de chegar e de quem já esperava há tempo. Cervejas, sorrisos e o 2º lugar no meu escalão. Um pódio que tive o enorme privilégio de partilhar com a Carla André e com a Rita Afonso, gente absolutamente fantástica, de uma simpatia contagiante.

 

Mais uma vez cruzei a meta a correr, com forças para dar colo à minha Maria e levantar umas cervejas, o resto é só a matéria de que se fazem as histórias

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