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Um passo nunca vem só

Um passo nunca vem só

Mértola, Mértola, Mértola… cacete! #28

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Aqui a mulher sem plano de treinos, tem o objetivo ambicioso de chegar a Fátima dia 13 de maio com 4 maratonas consecutivas (10, 11, 12 e 13). Acredite-se ou não em milagres o melhor mesmo é ir treinando… vai daí pareceu-me que inscrever-me em tudo o que fosse ultratrail na ordem dos 44 quilómetros haveria de ser um plano de treino interessante. Acredito que os planos de treinos dos meus outros 5 colegas de peregrinação possam ser mais eficazes, este foi o que me fez sentido.

Depois do Trilhos dos Reis (15 janeiro), seguiu-se Mértola (5 março) e vem aí Salming Natur Trail de Monsaraz (26 março), espero que se inscrevam porque Monsaraz sabe receber!

Agora Mértola… ora Mértola tem muito que se lhe diga, mas numa palavra: du-re-za!!!!

Depois de uma semana a esquiar e de mais de 1000 quilómetros de viagem na véspera, eis que chega o dia de ir trilhar por Mértola.

Para começar bem, meto o despertador para as 05h00 e… não tocou!!!! Acordei às 06h10 com uma chamada do JLC, porque era hora de partirmos e nada de sinais da moça. Ia tendo uma paragem cardíaca! Como já tinha o estojo todo pronto de véspera, nem me perguntem como, em 15 minutos estava a sair de casa. Combinámos então que nos encontraríamos em Beja e assim foi (Nossa Senhora de Fátima e os Anjinhos todos protegeram-me naquela viagem alucinante!).

Já no carro com os restantes companheiros tratei dos preparativos finais (protetor solar, make up – importantíssima!!! vaselina nos pés e perneiras de compressão). Tudo a postos para a aventura.

Chegámos a Mértola com tempo para tudo: levantar dorsais, retirar as camadas de roupa desnecessárias, equipar a rigor, foto da praxe, cumprimentos aos companheiros de andanças, dois dedos de conversa, sinal de GPS ativado e pumba: tiro de partida.

Nos primeiros 400 metros o pódio feminino foi meu (ahahaha, a criança que há em mim diverte-se com estes números, não consigo evitar), depois passou a primeira senhora, logo a seguir a nossa ultramratonista Carla André, a terceira companheira e a quarta, a Rita Afonso, a quem acabei por me colar.

Provas houve em que optei por partir mais devagar, esta não foi o caso. Pensei cá para mim “olha nunca rebentei, se for hoje, pode ser que aprenda qualquer coisa”. Aprendi efetivamente muita coisa, mas uma delas é que não rebento assim às boas.

Pouco depois chega Rita Fernandes e a Ana e por ali fomos durante 18 km, sempre juntas: sobe, desce, sobe, desce. Algumas troços com outros companheiros e senti necessidade de me "apresentar" e pedir que não se ofendessem com os palavrões que não evito, até porque li algures que praguejar é analgésico e nessas coisas e tomo logo a dose mais forte! Vistas magníficas para o rio, para a cidade, cheiro a estevas, alguns borrifos de uma chuva que prometeu por duas ou três vezes mas sempre envergonhada.

Ao km 18 andávamos a correr na areia e comecei a quebrar, falta de energia, dor lombar… hora de abrandar o ritmo, deixar as companheiras seguirem, fazer um xixi, tomar um gel e um anti-inflamatório e recuperar algum ânimo.

Juntaram-se a mim 3 companheiros que, entretanto, voltei a deixar para trás porque aproveitaram a entrada numa localidade para ir ao café. Segui por ali fora cruzando-me com alguns idosos que me olhavam com cara de “não é boa da tola”, houve até uma senhora que não se conteve e lá desabafou “ah coitadinha… vai muito atrasada, já passaram há muito tempo”…

E por ali segui, cabeços acima, cabeços abaixo, a pular vedações, sem ver viv’alma, nem um voluntário, nem um fotógrafo e a rezar para não encontrar nenhum javali, tal era a quantidade de bosta que havia por ali… Fiz um vídeo direto para o Facebook e por ali andei entretida a sentir o cheirinho das estevas e a riscar o cromado no matagal, convencida que dentro de metros encontraria o 3º abastecimento. Passaram 500 metros, um quilómetro, um quilómetro e meio e eu já me convencia que só me podia ter enganado no caminho. Com a brincadeira do Facebook devia-me ter escapado alguma sinalética e só podia estar a fazer o percurso de umas das outras provas, nada de sinal do abastecimento! 2 km depois lá estava o dito, ufa… isotónico à vista (pensei eu, mas mal!). Já tinha acabado o isotónico, tal como no abastecimento anterior por onde passaram também os participantes das outras provas, enfim!

Estava portanto neste abastecimento ao km 28, quando avisto as outras 3 companheiras, não muito longe. Resolvi poupar no tempo do abastecimento, nem reabasteci a água, apanhei 3 batatas fritas, uma barritas e pus-me ao caminho para tentar juntar-me a elas. Sobe cabeço, desce cabeço, mato alto demais para avistar quem quer que fosse… Continuei no meu ritmo de conforto, consigo avistá-las e um pouco mais à frente 2 pontos amarelos “tu queres lá ver que são os meus companheiros de viagem????”. Ganhei uma motivação extra com este avistamento e lá vou eu no encalce deles. Encontro o João e o António ambos em mau estado, um a queixar-se das costas, outro a queixar-se da semana de tratamento a cerveja e cozido com fartura. Fizemos uns quilómetros juntos, subimos a encosta do rio até ao alto do cabeço e dizer mal da vida e a praguejar como se não houvesse amanhã. Lá no alto avistámos o próximo abastecimento que, pelas nossas contas estaria a 2 quilómetros, mas as fitas de marcação do percurso indicavam que para lá chegarmos teríamos ainda que dar a volta ao cerro… vamos lá!

Aqui perdemos o João e começámos a fazer contas à vida… onde raio está a tenda do abastecimento que tínhamos avistado??? A água já tinha acabado, os sinais de desidratação já tinham chegado, os quilómetros indicados para o abastecimento já tinham passado 500 metros, 1km, 2km… raios m’a partam!!! Isto não poder ser, será que já levantaram o abastecimento? Será que aquele que avistámos era de outro percurso? Será que estes senhores da organização não sabem tirar medidas? Só podia ser uma brincadeira… de muito mau gosto. Não sei o porquê, mas sei que só o fomos encontrar 3 quilómetros depois do anunciado, ou seja ao km 40, depois de uma mini ravina onde finalmente voltei a juntar-me às companheiras que tinha perdido ao km 18. Parecíamos camelos num oásis e isotónico, mais uma vez, nem vê-lo.

A pergunta que se impunha: “Estamos a quantos quilómetros da meta? A verdade!!!! Por favor só queremos a verdade!!!”, a resposta foi uma mentira, 4 quilómetros que se vieram a revelar quase 7 quilómetros. Esta distância em estrada faz-se bem, mas esta organização conseguiu guardar para após o km 40 uma montanha russa em 6 km: soooooobe, deeeeeeesce, soooooobe, deeeeeesce. Se ainda haviam pernas, a paciência já não morava ali em nenhum de nós.

Voltei a perder o António primeiro, a Rita depois e consegui manter-me com a Ana e com a Rita Fernandes, naquela montanha russa dos infernos. Uma menina tirava fotografias aos mortos vivos que ali chegavam e uns metros à frente oiço uma voz forte a puxar por mim. Só consegui pensar “com tanto quilómetro onde podiam ter metido gente, juntaram a tropa toda aqui”. Só que aquela voz de comando era o meu querido pai, em êxtase por me ver ali chegar pelo meu pé, de braços no ar, com uma laranja descascada na mão e a dizer “queres filha?? olha, não fizeste 44 km, lá na meta dizem que são 46 km”. Acho que me saltou um palavrão a mim e uma gargalhada a ele. Peguei na laranja, acenei à minha mãe que me gritava que tinha perdido mesmo ali a chave do carro e segui o meu caminho a correr pelo alcatrão.

Passado uns metros a minha tropa chegou de carro ao meu lado: a mãe ao volante, o pai, a minha avozinha e minha Maria que gritava “vai mãaaaaeeeeee”. A Rita e a Ana esperavam por mim com a proposta de cruzarmos a meta juntas (faríamos o 4º lugar exe quo). Agradeci-lhes e pedi-lhes que fossem à minha frente eu ia passar a meta logo a seguir, no lugar que me era devido e de mão dada com as minhas Marias (mãe e filha).

No final, 7 horas, 53 minutos e 18 segundos após o tiro de partida, abraços sentidos entre quem acaba de chegar e de quem já esperava há tempo. Cervejas, sorrisos e o 2º lugar no meu escalão. Um pódio que tive o enorme privilégio de partilhar com a Carla André e com a Rita Afonso, gente absolutamente fantástica, de uma simpatia contagiante.

 

Mais uma vez cruzei a meta a correr, com forças para dar colo à minha Maria e levantar umas cervejas, o resto é só a matéria de que se fazem as histórias

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