Tenho o resto da minha vida para fazer “o normal” #22
Acordar às 5h00 e às 6h00 da manhã, sem ter que ser.
Molhar-me até aos ossos.
Sujar-me de lama, até dentro dos ouvidos.
Subir e descer rampas, escadarias, rochas, escarpas, encostas, colinas.
Pular arame farpado, porteiras, muros, troncos, manilhas.
Bater o queixo de frio.
Transpirar.
Ficar com a boca seca, os lábios com gosto a sal e cheia de sede.
Fintar ou pisar bosta de vaca, de cabra, de ovelha, de cão.
Pular por cima de buracos ou para dentro de poças de água.
Ganhar bronze de pedreiro, de verão e de inverno.
Fazer uma coleção de assaduras nas costas, nos pés, nas axilas.
Perder a conta às cicatrizes nos joelhos, nas palmas das mãos, nos cotovelos e aos arranhões nas pernas.
Ficar feliz por avistar uma mesa com tomate, sal grosso e marmelada.
Saber de cor o que significa D+, PR, lesão, milha.
Saber para que quero proteínas, fibras, magnésio, hidratos, eletrólitos.
Precisar de anti-inflamatório.
Não confundir dorsal com frontal.
Passar ribeiras calçada, vestida, com água pelos joelhos ou pela cintura.
Sentir dor na anca, no joelho, nas costas, nas canelas.
Dizer palavrões, muitos, todos, aprender novos, inventá-los.
Acreditar.
Nem acreditar e fazer acontecer.
Perder o fôlego, gritar, recuperar o fôlego.
Repetir mil vezes “nunca mais me apanham aqui” e voltar mil vezes.
Sentir-me anormal, mas não me sentir sozinha.
Sentir-me sã entre os loucos que acompanho.
Ficar, estar, ser feliz.
Tenho o resto da minha vida para fazer “o normal”, agora faço isto.